Os livros também são cestas que carregam outras cestas, as palavras, que, por sua vez, contêm sentidos (Le Guin, 2020). Esta tese certamente é uma cesta. Porém, a cesta é, nesta tese, também uma estratégia metodológica para coletar “histórias vitais”. Histórias selvagens com as quais contamos para continuar nossa jornada. Histórias cultivadas por longas e complexas redes de relações entre as mais diversas coisas. Histórias que colapsam o tempo das coisas de agora, o tempo das coisas que passaram há pouco, o tempo daquelas coisas que estão por vir e o tempo das coisas que estão tão distantes que existem em um tempo mítico. Sendo assim, a cesta ajuda a manejar os objetivos da pesquisa ao:
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permitir recolher, depositar e guardar as histórias que apareceram quando a menstruação e o sangue menstrual foram evocados;
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permitir carregar estas histórias, fazer com que elas viagem e cheguem a lugares que não chegariam se não estivessem abrigadas.
Utilizei para a fabricação das cestas estas duas ferramentas: a trama vulnerável e a trama rabugenta. Elas facilitaram a elaboração e execução dos experimentos realizados, criando uma base para os modos como me aproximei e manejei as histórias vitais coletadas.
________ tra.ma
_ Em um tecido, conjunto de fios que se cruzam no sentido transversal do tear, entre os fios da urdidura; textura. _ Fio grosso que se usa na confecção de certos tecidos. _ Espécie de rede cuja estrutura é formada por elementos que se cruzam e se interligam. | _ Desenrolar de acontecimentos constituindo a ação em uma produção artística e literária; entrecho, enredo, intriga, urdidura. | _ Maquinação, geralmente secreta, com objetivo de prejudicar algo ou alguém; armação, conluio, conspiração. _ Complô para atentar contra a vida ou segurança de pessoas e instituições. | _ Negócio feito por meio de permuta; barganha, escambo, troca. |
A partir das tramas utilizadas para tecer as cestas, é possível entrever os cruzamentos, texturas, desenrolares e enredos presentes nos modos de coletar e carregar as histórias com as quais me relacionei durante a pesquisa. Foi através das tramas vulneráveis e rabugentas que pude abordar aquilo que, como as florestas, vem sendo cultivado por muitas de nós há muitos e muitos anos. Uma trama é, no fim, um modo possível de organizar diferentes fios e dar uma nova utilidade a eles. Porém, é uma organização provisória, que guarda na sua história processos de transformação.
Talvez seja por isso que Le Guin nos conta que sua cesta está “cheia de começos sem fins, de iniciações, de perdas, de transformações e traduções, e de muito mais truques que conflitos, muito menos triunfos do que armadilhas e ilusões” (2020). Talvez também seja por isso que, se por um lado a trama guarda a prática de organização, por outro também carrega consigo as práticas de complô, maquinação secreta, planejamento de atentados etc. Ambas as práticas foram necessárias para os experimentos realizados. Afinal, seguir carregando cestas com contrafeitiços exige tais habilidades:
Sou uma mulher que está envelhecendo, com raiva, segurando com força a minha cesta, lutando contra bandidos. No entanto, assim como ninguém, eu não me considero heroica por fazê-lo. É apenas uma daquelas malditas coisas que você tem que fazer para seguir sendo capaz de colher grãos de cereais e contar histórias. (Le Guin, 2020)