A hipótese da insistência também poderia ser chamada de hipótese da permanência, ou, ainda, hipótese da habitação. Insistir, permanecer e habitar são ações irmãs, que compartilham entre si desejos e implicações complementares. Para insistir em estar é necessário permanecer. Ao permanecer, ao de-morar-nos, podemos trabalhar para que o lugar que estamos se transforme em um local habitável. É com o objetivo de “habitar territórios devastados pelo capitalismo e pela modernidade” (Sztutman, 2018, p. 342) que, no livro La sorcellerie capitaliste, Isabelle Stengers e Philippe Pignarre nomeiam o capitalismo como um “sistema feiticeiro sem feiticeiros” (Stengers; Pignarre, 2011, p. 40) e propõem a adoção de técnicas de desenfeitiçamento como formas de resistência. A família de palavras que acompanha o verbo “habitar” deixa entrever a importância de tal ação nessa proposta de experimentação política:
HABITAR
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hábito, habitual, habitat, habitante e habitação;
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hábil e habilidade, permitindo entrever aí relações com ações técnicas;
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inibir (inhibēre), exibir (exhibēre), proibir (prohibēre);
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possuir, ser senhor de, conter, trazer consigo, portar, ocasionar, fazer, tomar, guardar, cuidar, ter, manter, saber, conhecer, reconhecer, ocupar, ficar, permanecer, remanescer, ser, residir, morar.
(adaptado de Rozestraten, 2019, p. 31)
O verbo habitar e sua família material-semiótica estendida nos contam sobre duração, relação e ação, nos contam sobre o que é propriamente humano, sobre um “anseio existencial” (Rozestraten, 2019, p. 25), um anseio por estar em paz, por estar em liberdade, por ter autonomia. Stengers e Pignarre nomeiam o desafio que vivemos hoje de “habitar zonas de experiência devastada” (Sztutman, 2018, p. 350), termo que considero bastante adequado para descrever as diferentes paisagens que se formam quando seguimos pelos trajetos das menstruações, do sangue menstrual, da produção de conhecimento.
São zonas de experiências devastadas as experiências cujas expressões são minimizadas em potência, restritas a fluir por espaços que ainda são frestas, restritas em suas possibilidades de existências. E, dessa forma, também estão devastadas as consequências coletivas, comuns, das experiências das menstruações. Mas também as paisagens que encontramos são “zonas devastadas de experiência”: a devastação é ampla, ambiental, contempla as possibilidades materiais que temos para experienciar as menstruações, e abarca uma infinitude de relações plurais entre as mais diversas coisas e seres. Habitar a devastação exige que sejamos capazes de, antes de qualquer coisa, restaurar a capacidade de vida dos territórios onde estamos.